Em meados dos anos 1970, a 'América' vivia uma crise de confiança. As denúncias dos repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward no The Washington Post sobre o envolvimento de Richard Nixon no assalto à sede do Partido Democrata produziram um escândalo que levou à renúncia do presidente, para evitar o impeachment. Todo esse processo foi demorado e a quebra de confiança nas instituições produziu uma crise moral. O cinema transformou-a em quebra de confiança nas relações interpessoais e produziu grandes filmes como "Um Lance no Escuro", de Arthur Penn. Na sequência, foi eleito Jimmy Carter e os EUA pareciam viver um (re)começo. Faltava um motivador para a nação.
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Rocky, Um Lutador, será exibido neste final de semana pela rede Cinemark
"Rocky, Um Lutador" ganhou os Oscars de filme e direção de 1976 e transformou em astro um ator meio bronco que, até então, fizera somente pequenos papeis. Além de atuar, Sylvester Stallone, escreveu o roteiro. Foi indicado para o prêmio da Academia, mas perdeu para o de "Rede de Intrigas", de Paddy Chayefsky. O próprio Rocky venceu "Todos os Homens do Presidente", de Alan J. Pakula, com Robert Redford e Dustin Hoffman como Woodward e Bernstein e que abordava de forma mais direta o escândalo de Watergate. Rocky venceu também "Motorista de Táxi" (Taxi Driver), de Martin Scorsese. O milagre que transformou o filme 'pequeno' num estouro foi devolver a confiança aos norte-americanos. Outro milagre é que, passados quase 40 anos, "Rocky, Um Lutador" não tenha perdido o encanto. É a atração da vez na série de clássicos restaurados da rede Cinemark. Talvez não seja 'clássico', mas é, com certeza, 'cult'.
Na história, Rocky Balboa é um zé-ninguém cuja vida patina. Lutador de últimas categoria, vivendo num cortiço, ele se acha um fracassado. Para comemorar o bicentenário da independência, o campeão Apollo Creed vale-se de um golpe de publicidade e propõe enfrentar um desconhecido, numa luta válida pelo título. Rocky treina, e vence. Na fantasia do filme, milagres acontecem - na América. Rocky/Stallone é a prova de que, com dedicação e esforço, pode-se superar não importa o quê. Uma vez na liça, Rocky tem muitas oportunidades de desistir com honra, mas ele vai até o fim. Vira o herói da massa anônima. Duas pessoas são decisivas no processo - sua mulher, Adrienne/Talia Shire, e o velho treinador, Mickey/Burgess Meredith.
É um raro filme do boxe que enfatiza a importância do treinador e do treinamento. Rocky dá duro correndo nas ruas de Filadélfia ao som do score de Bill Conti, tão triunfal que compete até hoje com o de Vangelis em "Carruagens de Fogo", de Hugh Hudson, como tema de formaturas e eventos motivacionais. E Adrienne é um doce. É tímida, avessa à violência. O diretor John G. Avildsen com certeza viu "Marcado pela Sarjeta" (Somebody Up There Likes Me), que Robert Wise realizara 20 anos antes. Outra história de pugilista italiano, e as cenas da aproximação de Paul Newman e Pier Angeli possuem uma ternura que só não é repetida na íntegra porque Stallone não consegue representar como Newman. Mas ele é ótimo, dentro do conceito traçado pelo ator e roteirista. "Você tem de ser um idiota para ser lutador." Isso não o impede de fazer com que Rocky use o esporte de forma positiva, para se afirmar.
Surgiram na sequência Rocky 2, 3, 4 e 5. Stallone foi dirigindo as sequências, menos a últimas, à qual voltou John G. Avildson. No meio, o diretor criou as série "Karatê Kid", com Ralph Macchio, sobre um lutador juvenil. E o próprio Stallone se envolveu em outra série, "Rambo". O primeiro filme, dirigido por Ted Kotcheff, é muito bom e pode ser visto como um estudo das consequências domésticas da Guerra do Vietnã na vida norte-americana. O problema é que Stallone se alinhou com o presidente republicano Ronald Reagan, virou seu porta-voz no cinema e Rambo venceu, na ficção, a Guerra do Vietnã, que os EUA haviam perdido na realidade (em "Rambo, a Missão"), e ainda bateu os soviéticos em "Rambo III", no Afeganistão. Até Rocky entrou na onda de ideologização à direita e, em "Rocky IV", venceu o campeão soviético, Drago (Dolph Lundgren). Tudo isso veio depois. No primeiro Rocky, o personagem é irresistível, encantador. Difícil não torcer por ele ou se identificar com ele.
Serviço
As sessões de "Rocky, Um Lutador" serão realizadas no sábado, 28 (às 23h55) domingo, 29, (às 12h) e quarta-feira, 1º. (às 20h). Os ingressos podem ser comprados na semana de exibição de cada filme, nas bilheterias e no site www.cinemark.com.br.
Fonte: Tribuna do Norte